O Atravessador - parte I
Já tem um tempo que não coloco textos meus aqui. Hoje isso muda, eis a primeira parte de um conto meu: O Atravessador.
Boa Leitura
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O Atravessador
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O Atravessador
Passavam pouco mais das cinco da manhã, quando Carlos foi desperto de seu sono, sentindo que alguém sentara na extremidade oposta de sua cama. O quarto estava clareando, o silêncio do hospital ainda o incomodava um pouco àquela hora.
Ao abrir os olhos, confirmou o que sentira: havia um homem sentado à borda de seu leito. Um cidadão magro, aparentando trinta e poucos anos, de pele branca, rosto fino, nariz afilado e cabelos negros, penteados para trás ainda molhados, como se estivesse no gel. Vestia-se elegantemente com um terno preto, camisa azul e gravata escura lisa. Com as pernas cruzadas, calmamente o homem confortou-se na posição que estava.
- Lindo dia, não? – disse o homem enquanto olhava através da janela à sua frente;
- Quem é você...?
- Um visitante.
- Mas eu não lhe conheço, quem o deixou entrar?
- Ninguém me viu entrar. Nem ninguém me verá aqui também.
- Como assim?!
- Tenha calma e paciência que eu explico.
Aquele homem parecia não se afetar em nada. Dono de si, do controle da situação. Carlos não entendera muito bem o que estava acontecendo, mas ao ver as unhas grandes e vermelhas de seu visitante, engoliu seco e tentou arranjar coragem para continuar a conversa.
- Preocupado com algo? – indagou o desconhecido;
- Eh... o fato de ter um desconhecido dentro do meu quarto me incomoda.
- E o que você teme, para estar tão preocupado?
- Olha, eu não sei o que você quer, mas se for algum credor, eu...
- Calma, calma, calma... eu não vim cobrar nada seu. Só vim lhe trazer uma notícia ruim e algumas opções para você. – replicou enquanto passava uma mão sobre a outra;
- Como assim notícia ruim?
- Ora, a óbvia, não?
- ...
- O fim de sua tola vida se aproxima, essa é a notícia ruim.
- Mentira...! – disse com espanto Carlos – mais dois dias e terei alta, assim como o médico falou.
- É mesmo?! Bem... doce ilusão. Ilusões são o refúgio mais seguro que temos. Porém, você tem a alternativa de se agarrar a ela e ser pego de surpresa, ou encarar os fatos para tentar tirar algum proveito disso.
- Proveito de quê?
- Da morte meu filho, acorda. Ô que dificuldade...
- Mas... você tem certeza disso? Como? Quem é você?!
- Certo chatinho, vou saciar sua curiosidade, eu sou O Atravessador.
- Quem?!
- Surdo eu sei que você não é, então presta atenção, que só vou falar uma vez, certo?
- Então fala logo...
- Meu trabalho é procurar aqueles que estão em véspera de se despedir dessa vida ridícula. Pra quê? Para poder dar-lhes opções.
- Opções? Quais opções: viver ou morrer? Morrer lentamente ou não?
- Não brinque comigo, apenas ouça – disse olhando pela primeira vez para Carlos. A
reação do enfermo foi imediata: espantou-se e começou a tremer, ao perceber que as órbitas oculares de seu visitante eram vermelho fogo, sem branco, sem nada, apenas vermelhas. Sentiu todo seu sangue gelar em seu corpo.
- Assim é melhor... bem, continuando, eu verifico como foi a vida da pessoa durante sua existência, e baseado nos fatos, escolho as opções a serem propostas. E para você, existem apenas duas que logo explanarei. Mas antes, devo fazer um breve resumo de sua curta passagem por esta vida, de apenas trinta e cinco anos.
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