Prisão (crônica)

Helga tinha uma vida difícil, sua mãe sempre a mantinha a uma distância segura de algo novo, para que não corresse o risco de perde-la. A velha sempre fazia de tudo para estragar algum acontecimento – fosse um namoro ou até uma amizade mais próxima.
Com o tempo, Helga foi percebendo que ficara mais afastada do mundo do que imaginara. Passava o dia enfurnada em seu escritório, no alto de um prédio, onde apenas o vento e os raios do sol alcançava. À noite, estava sempre em casa, com sua mãe.
Sair do trabalho;
Ir para casa;
Tomar banho;
Fazer jantar;
Comer assistindo TV;
Sentar junto à mãe na sala;
Ouvir a ladainha diária sobre os vizinhos e familiares;
Lavar a louça;
Deitar e dormir.

Rotina.

Anos foram assim, irmãos deixaram de visitar aquela casa por sentirem-se mal com os julgamentos e lamentos da mãe. Mas Helga não, tinha ficado ali, junto à velha para cuidar, preservar a integridade de sua gestora. Por anos foi assim.

Um dia, enquanto uma forte chuva caiu sobre a cidade, Helga estava deitada em sua cama, dirpesa em pensamentos, em companhia de sua gata. Trovões lá fora; relâmpagos, clarões...de repente um barulho forte na cozinha, seguido de um silêncio. Ela imaginou que talvez sua casa tivesse sido invadida por ladrões. Lembrou de sua mãe, que a essa hora estaria dormindo em seu quarto.
Relutou um pouco, mas criou coragem e foi até lá. Desceu apressadamente pelas escadas tentando controlar sua ansiedade e o medo do que poderia encontrar. Súbito a surpresa: estava lá, deitada ao chão caída de uma cadeira, a velha. Sua cabeça havia batido na quina de uma pequena mesa de canto. O sangue escorria e pelo chão, iluminado pelos relâmpagos lá de fora.
Agarrados pelas mãos imóveis daquela mulher que havia subido pela última vez naquela cadeira, embrulhos, papéis, envelopes cartas... Cartas?

Havia escondido por anos, as correspondências destinadas à sua filha, de amigos, fãs e antigos colegas de escola, que sempre a procuraram, que sempre foram esquecidos pela falta de notícias, mas que agora seriam lembrados eternamente por a terem livrado de sua prisão.

Comentários

Postagens mais visitadas