Garota Floral

Ainda lembro daquele olhar, penetrante, fascinante, distante e único. Foram dias de tortura para mim, eu sempre ali e ela nem me notava. Tinha algo de misterioso por trás daqueles olhos que inundavam meu ser a cada vez que os via. Ela pouco sabia a meu respeito, e eu mais o que devia ao seu. Mas os fatos não me importavam, sua vida não importava, seus amigos, amigas e tipo de vida tampouco. Ela sempre estava ali, sentada na escadaria longa, ou nos batentes pequenos dos corredores da faculdade. Eu desviava meu olhar para que não percebesse, e nisso eu tinha sucesso. Não era amor, era algo diferente... algo terno e voraz, que me consumia pelos dias que não a tinha, pelos dias que aquela boca não tocava a minha. Implorava-lhe um beijo secretamente por cada instante que lembrava, que via, que sentia o seu perfume.
Passava em sua frente como uma sombra corriqueira do dia a dia, sem que ela notasse, mas seu brilho estava lá, eu percebia.
Até que um dia, durante a descida das escadarias, pude me aproximar o mais perto até então. Naquele momento sublime, pude sentir em minhas narinas seu cheiro, sua vontade. Senti sua respiração.
Sua voz, e que voz, penetravam-me como uma doce alento, despertando um desejo desconhecido, que fazia-me arrepiar os pêlos. Meu corpo a queria, minha vontade era dela.
Certo dia, a vi parada conversando com alguns conhecidos meus, não perdendo tempo fui até lá e finalmente consegui um pouco de sua atenção. Inexplicavelmente ela me desprezava. Tinha um jeito autoritário em suas palavras e gestos. Ah... foi aí que percebi o quanto a desejava. Já não mais conseguia disfarçar, até que tomei coragem contei-lhe tudo. Sua reação foi a esperada: desinteresse.
Procurei respeitar sua vontade e me afastei por um tempo, mas foi inútil. Os dias tornaram-se mais longos que de costume. Fugia de vê-la, mas era inútil, tudo que fazia para me afastar era inútil. Não tinha nada que a interessasse em mim. Então resolvi me despedir, dizer-lhe algumas poucas palavras e pronto. Aproximei-me e estendi a mão em sua direção, num cumprimento; segurei-lhe a mão e disse “só queria que não se esquecesse de mim... mesmo sem me notar ou saber que tenho por você um sentimento que desconhecia”. Algo em seu olhar me fez tremer, era como se de repente ela sentisse tudo aquilo que queria que sentisse e pude ouvi-la dizer que era algo lindo de se ouvir. Meu sangue congelou. Ela sorriu. Me abraçou e disse que estaria ali mesmo no dia seguinte e que, se eu não estivesse ocupado, poderíamos dar uma volta. Despediu-se com um abraço e foi embora.
Mal pude acreditar no que acabara de acontecer, um largo sorriso tomou conta de meu rosto e com ele fui para casa, finalmente poder respirar de verdade. Me sentindo um ser poderoso, passava por todos com uma alegria incontrolável. Ela, ela, ela... tudo ela.

O restante daquele dia foi de uma doce agonia pela espera finda das horas. A noite, queimava em meus pensamentos com suas longas instâncias de segundos. E de tanto planejar o dia seguinte, acabei adormecendo.

Sobressalto, dia seguinte, longas horas até o término das aulas. Já no local marcado, eu a aguardei.

Hoje, ainda tenho a lembrança do forte cheiro de seus cabelos, de sua pele macia em tom floral. Ela foi uma daquelas histórias impossíveis e inatingíveis que tanto ouvia nas canções. Ela foi, e ainda é, o amor em sua forma mais pura que pude conceber. Nela encontrei um reflexo meu, de todas as vontades e sonhos que quis.
Um olhar, um abraço, poucas sílabas e foi suficiente para que eu soubesse que seria a dose única do real sabor da felicidade.

Naquele dia ela não apareceu. Nem nos outros. Havia ido embora no mesmo dia, morar com uma tia no exterior. Soube depois por amigos, que ela estava num momento ruim de sua vida e precisava se encontrar, se reconhecer em si para poder se reinventar... nossa, tantas teorias envolvidas que nem me dei conta de quase poderia ter estragado tudo.

É... tomara que ela tenha se encontrado mesmo. Pena que longe de mim. Agora, meu único reflexo é o do brilho de meus parcos cabelos brancos e molhados no espelho. Tranqüilo em saber que vivi sentindo esse amor por tudo o que fiz e que nada do que fiz foi para o mal, mesmo sentindo uma saudade eterna daquele sorriso, daquele cheiro, da garota floral.




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