Crime pela metade

 



Após alguns meses de total indiferença, enfim terminava aquele relacionamento de cinco anos. Alexandre e Célia, sempre foram boas companhias um para o outro, mas o tempo fez com que a monotonia e a rotina os tornassem quase estranhos. Já não sentiam prazer no sexo, nem os beijos eram mais ardentes; pareciam dois bons companheiros, amigos.
Numa manhã de segunda, chegaram enfim a um acordo: entregariam o apartamento alugado, ela voltaria pra casa da mãe e ele procuraria um outro lugar para morar. Tudo resolvido, sem problemas ou traumas.
Aos 29 anos, aquilo parecia não afetar tanto a cabeça de Alexandre, tanto que continuou o ritmo intenso do trabalho, enquanto que Célia – 27 anos – queria voltar a estudar, fazer uma pós-graduação ou coisa assim. E assim foi durante os dois anos seguintes.

Numa manhã de domingo, Alexandre e uns amigos resolveram passear dar uma volta num centro cultural da cidade, lá estariam apenas observando o movimento dos turistas e uma exposição de gravuras antigas. Mas o destino parece que tem mesmo seus mecanismos e talvez por isso é que Alexandre tenha decido ir telefonar de um orelhão para uma amiga, a fim de chamá-la até lá. Algo mais o estaria esperando naquele local, ao lado ficava a lanchonete e então, pôde ver Célia comprando um café. Seus pés gelaram e começou a tremer todo, como uma criança de doze anos em sua primeira paixonite.
Sem muito que pensar, já foi logo dizendo:
-          Célia...
Súbito, aquela mulher linda e um pouco mais diferente e madura o fitou por alguns instantes, até quebrar o silêncio:
-          Alexandre... Que surpresa você por aqui.
-          Pois é, vim ver a exposição, e você?
-          Também vim ver a exposição, junto com meu marido e minha filha.
-          Marido? Filha? – sabe quando uma guilhotina parece lhe decapitar sem aviso? Pois
é, essa foi a sensação que ele sentiu ao ouvir aquilo. Arrependimento, ciúme, inveja e raiva povoaram seu coração ao mesmo tempo – puxa... como as coisas mudam, não é? – e ficaram constrangidos de si mesmos por algum tempo.
-          Escuta – disse ela desvencilhando do furacão de sentimentos – tenho que ir, a gente
se fala.
-          Espera, toma, leva o meu número de telefone e não deixe de ligar, certo? Só pra
batermos um papinho – escreveu-lhe num guardanapo, como o primeiro bilhete que lhe mandou anos atrás, quando se conheceram.

Passou-se uma semana até que enfim seu telefone tocou e pode ouvir novamente aquela voz, que ficou lembrando e imaginando durante toda semana. Por alguma razão, sentia vontade de te-la novamente, como se agora estivesse pronto para ela, como se ela nunca tivesse deixado de ser quem era: a mulher de sua vida. Conversaram um pouco, pois tinha tempo, já que seu marido havia saído para casa de parentes e ela havia ficado por causa de uma leve gripe. Alexandre ficou feliz e surpreso em ouvir as histórias que contou, da pós-graduação que fez, de como sentia prisioneira do dia-a-dia, de como sentia sua falta... Essa foi a pior parte de ouvir, pois sentia um aperto no coração. Então, não resistindo à tentação, a convidou para saírem um dia e, para sua surpresa, ela topou. Marcaram então um cinema, no meio da semana, seu marido estaria viajando a trabalho e o bebê poderia ficar com sua mãe por algumas horas. Resolvido, marcado.

Na quarta-feira, encontraram-se finalmente e como que por impulso, logo beijaram-se longamente, ardentemente, saudosamente, como nunca haviam se beijado antes, nem a ninguém. Desistiram de ir ao cinema, foram a um motel. Passaram a noite juntos sem desgrudar um só instante.
Pela manhã, ele a deixou perto da casa de sua mãe e se despediram combinando se encontrar outra vez.

Eles que antes não poderiam mais ser um casal, agora, escondidos de todos, podem. Amam-se e vivem vidas separadas, sem rotinas ou dia-a-dia. Têm certeza que envelhecerão juntos e que outras paixões poderiam vir, mas seriam passageiras. Aquela certamente era a forma que existia para que vivessem seu amor eterno, na eternidade do acaso e do crime de serem felizes pela metade.



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