O Entulho (crônica)
Daniel
é uma daquelas pessoas que gosta realmente de ajudar, mesmo em situações
difíceis, lá estava ele.
Carlos
era um primo que durante toda a vida, se esforçou para ter algo de sucesso, ou
útil, mas nem sempre o destino nos reserva muita coisa, ou pelo menos não
realizamos as coisas certas pra nós. O fato é que Daniel sempre ajudou o primo
em muitas ocasiões, inclusive, sempre que ia se divertir indo a um cinema,
praia, shopping, o convidava. Dava pra ver o sorriso de satisfação que Carlos
esboçava pela companhia do primo.
Acontece
que a medida que o tempo passava, Daniel evoluía, enquanto que Carlos... bem,
não saía muito do lugar.
Por
muitas vezes, Daniel teve problemas em seus relacionamentos por conta de que
sempre levava seu primo aos lugares onde o casal ia. Bem, todas gostavam disso,
por muitas vezes queria uma “liberdade”, então procuravam ajudar Carlos a
encontrar um emprego ou uma namorada, assim poderia se livrar dele. Mas a vida
sempre aprontava das suas, e o pobre Carlos quase nunca desgrudava do primo,
que fazia questão de te-lo por perto.
Diz
um provérbio que “dê dinheiro mas não dê liberdade”, talvez essa seja uma razão
para se prevenir de certas coisas. Com o passar do tempo, Carlos começou a
ficar mais afoito na hospitalidade de Daniel. Antes iam a bares e Daniel
perguntava se ele queria algo para beber, hoje, Carlos já se adianta no pedido.
Às vezes nem pede, espera chegar o pedido de seu primo pra logo ir metendo o
bico. Pobre Daniel, que nem sempre dava o primeiro gole em sua cerveja, suco,
água... O tempo passou e as coisas pioraram, mas para Daniel, a ponto de não
mais suportar aquilo, porém, por ter um coração bom, não repreendia o primo, ao
invés disso, contava as inúmeras garotas que iam embora por causa do incômodo
“acompanhante”, perdia a conta de quantos sanduíches que comeu menos da metade.
Isso
passou a ser insuportável, mas ele não havia sido educado a impedir e sim a
fazer com que as pessoas se “tocassem” e fizessem o melhor para ambas. Porém,
se tocar não era o forte de Carlos, e isso tinha que acabar. Foi então que numa
manhã de domingo, ao irem a um zoológico, Daniel pediu uma latinha de cerveja
enquanto Carlos haviam ido ao banheiro. Quando este voltou, Daniel estava por
abrir a lata, foi quando Carlos gentilmente pediu:
-
quer que
eu abra?
Sem
muito o que questionar, entregou-lhe a latinha:
-
pode...claro.
Tssssss...
um excelente barulhinho para quem está cainhando um bom tempo debaixo de um sol
infernal. Aberta, a fissura no alumínio foi logo de encontro à boca do contente
Carlos, que logo após beber quase metade da cerveja, ouviu o primo dizer: “fica
com esta, vou buscar outra pra mim”, sorridente, agradeceu com um gesto
assentindo com a cabeça.
Daniel
foi buscar outra, mas ao voltar viu o pobre primo se debatendo no chão em
convulsão. Pessoas ao redor ficaram estáticas sem saber o que fazer. Carlos
estava morrendo ali, num lindo dia de sol e cortesia de cerveja. Por um
instante, pareceu brotar um leve sorriso no rosto do aliviado primo.
Os
bombeiros tentaram salvar o rapaz, mas foi tarde demais.
Daniel,
fez questão de pagar todo o velório do finado primo, que havia morrido, segundo
os médicos de envenenamento, talvez por causa da latinha que tivesse
contaminada com tal veneno pra rato. Nunca se sabe como são armazenadas.
No
fim do mês, o extrato do cartão de Daniel que acabara de chegar, mostrava os
últimos gastos com Carlos, em ordem:
-
Almoços
-
Caixas
de chocolates numa compra num magazine
-
Cds
-
Sorvete
-
Veneno
pra rato
- Velório.
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