Queimar/nascer

A fogueira queima, enquanto que Joseane apenas a observa estalar os pequenos pedaços de madeira. O calor ao redor dela é quase insuportável, mas a faz sentir-se aquecida como pouco sentira-se nos últimos tempos.
Perdera seu marido, filhos e por consequência, seu trabalho. Estava em depressão já a algum tempo. O acidente que vitimou a toda sua família, a deixou inteira, mas sua vontade era de ter quebrado junto com eles. Sua recuperação física foi rápida, sua psicológica ainda não terminou. Talvez observar o fogo consumir por completo aquela madeira, fosse uma nova experiência de paz. Era o que queria, mas não o que conseguia quase sempre.

Próximo a ela está Edu, que também observa tudo esvair-se em fumaça. Ele sempre foi um bom companheiro para ela. Aliás, ele que a salvou do carro em chamas. Herói bombeiro. Feitor prisioneiro desta vida cheia de lembranças. Amigo e amante compreensivo.
Ele era tudo o que ela tinha. E mesmo para os desavisados, até seus sentimentos giravam em torno dele agora.
Um ano se passara desde aquele dia. Desde seu nascimento, morte e desgosto. Mas ainda estava viva, sabia que podia fazer qualquer coisa, pois ainda estava viva. Agradecia sempre o fato de estar viva, mesmo sem saber por que fazia isso. Era horrível viver assim - ele a ajudava mas... ele a deixou assim, quando a tirou daquele carro, daquele lugar em que ela queria ter ficado.
Mas ele era um bom homem. E era hora dela fazer algo para retribuir tudo aquilo.
Ele sempre disse entender o que ela sentia. Entendia mesmo? 

Aquela fogueira não poderia acabar enquanto não queimasse tudo aquilo que ela sentia de ruim; ainda restava uma madeira por ir, e ela providenciou que isso acontecesse. Com um único golpe, acertou a cabeça de Edu, desmaiando-o. Com a última garrafa de álcool que tinha, o banhou. Com o resto de forças que ainda possuía, o arrastou até a fogueira.

Ele a entendia mesmo? Perguntava-se. 
"Acho que agora entende"

Saiu caminhando entre a fumaça desta e de outras fogueiras de São João que ardiam ao redor. Sorria feliz, como não antes lembrara dessa sensação.

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