1986

Simbologia funciona apenas aos olhos dos observadores. O significado de uma canção, um gesto, um afago, são sempre compreendidos nos mínimos detalhes por quem quer ver.
Ouvindo “our way to fall” do Yo La Tengo, fico na certeza que sempre estive no caminho certo. No caminho onde minhas impressões de mundo sempre foram correlatas com meus desejos, comportamento e sentimentos. Sempre fui taxado como um “esquisitão”, “difícil” e até “egoísta”. Não me via assim, me via no comando de meu navio, de meu Yamato. Minha Enterprise, meu comando das coisas que brotavam de minha mente – tantas vezes interpretada como defeituosa. Meus personagens, meus mundos, meus diálogos. Tudo sempre foi tão real e tão sincero. Desenvolvia a linguagem própria de meus personagens, que nada mais eram que miniaturas de gente, popularmente chamado de Playmobil, ou mesmo Comandos em Ação.
Tudo sempre realizado com muita percepção e fantasia. Sempre envolvia os sentimentos.

Brincava com tudo aquilo. Entupia-me de cultura popular e infantil. Fazia-me entrar numa socialização secundária própria, capturando os bonequinhos e animações. Sempre fui feliz com isso.

Em 1986, tudo mudou. Era natal. Havia uma garota maravilhosa chamada Laura em minha sala. Tinha ido passar apenas um ano por ali, porque os pais estavam com problemas e assim, foi ficar morando com a tia.
Nossa... Me recordo de ter passado o ano inteiro enlouquecido por ela. Eu tinha 10 anos. 10 anos! O que um garoto nessa idade saberia sobre sentimentos? Eu sabia. E sofria.
Sempre muito tímido com garotas e com problemas para resolver isso, nunca falei nada pra ela. Gaguejava em sua presença, me desconsertava todo.

E assim foi passando o ano, até que finalmente chegou a tal data. Putz... Fiz minha mãe comprar um cartão de natal para presenteá-la. Roupa nova, cabelo no “grau” e finalmente a tal noite.

Fui até o prédio onde estava morando, que era próximo ao meu. Chamei por várias vezes lá debaixo, até que a prima dela desceu. Laura havia ido embora naquela manhã. Tinha voltado para a casa dos pais. E não mais voltaria.
Essa foi a primeira vez que segurei um choro dessa natureza. Foi a fechadura para esse mundo de decepções adultas.

Começava ali, o processo de enrijecimento de meus sentimentos. Resolvia começar a prestar atenção sempre para que ninguém sentisse aquela dor que experimentei. Prometi a mim que faria isso pelo resto de minha vida: seria o que alguém quisesse que eu fosse.

Quanto a mim? Os sentimentos reais do Ceciliano estavam sendo enterrados.

Continua...

Comentários

Postagens mais visitadas